Este parecer é um exemplo real de atuação técnica, publicado para fins educacionais e informativos. Todos os dados que poderiam identificar as partes envolvidas, como nomes de pessoas ou empresas, números de documentos, valores e datas específicas, foram devidamente alterados ou suprimidos para garantir a total confidencialidade e o sigilo profissional, em conformidade com o Código de Ética da OAB e a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
As Fintechs e plataformas de investimento P2P (peer-to-peer) revolucionaram o acesso a produtos financeiros, prometendo inovação, agilidade e boas oportunidades de retorno. Mas o que acontece quando a promessa de segurança, como uma “cláusula de recompra garantida”, é quebrada e o investidor fica com o prejuízo?
É comum que os termos de uso dessas plataformas contenham diversas cláusulas que isentam a empresa de responsabilidade em caso de inadimplência do tomador final do empréstimo. Contudo, quando a própria plataforma faz uma oferta específica de garantia, como a recompra de títulos inadimplentes, qual regra prevalece?
O parecer a seguir analisa um caso real de um investidor contra uma [Plataforma de Investimentos P2P]. Dissecamos os termos de uso, as Cédulas de Crédito Bancário (CCBs) e, principalmente, a força vinculante da oferta de recompra à luz do Código de Defesa do Consumidor. Este estudo de caso demonstra como uma análise jurídica aprofundada pode fundamentar uma ação para exigir o cumprimento forçado da promessa feita pela empresa.
PARECER TÉCNICO JURÍDICO PARA ANÁLISE DE VIABILIDADE DE PROPOSITURA DE AÇÃO JUDICIAL – INVESTIDOR
CONTRATANTE: [CLIENTE INVESTIDOR]
CONTRATADO: Dulcidio Fabro Neto – OABSP 423003
1 – ASSUNTO
O presente parecer é elaborado por solicitação do contratante, visando a análise de viabilidade, riscos, custos e legitimidade na propositura de ação judicial em fase de [PLATAFORMA DE INVESTIMENTOS P2P] LTDA – EPP. (“[PLATAFORMA]”), doravante denominada empresa, visando o ressarcimento de valores investidos pelo contratante à empresa, com a negativa de devolução dos valores, busca garantir seus direitos por meio de ação judicial.
2 – EMENTA
ESTUDO ANÁLITICO DE VIABILIDADE DE PROPOSITURA DE AÇÃO JUDICIAL – POSSIBILIDADE – ALTA PROBABILIDADE DE ÊXITO DOS PEDIDOS PRINCIPAIS (OBRIGAÇÃO DE RECOMPRA) E MÉDIA E BAIXA PROBABILIDADE DE PEDIDOS SUBSIDIÁRIOS (RESSARCIMENTO POR FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS E INDENIZAÇÕES) – OBRIGAÇÃO DE CUMPRIR OFERTA – DIREITO DO CONSUMIDOR – CUSTAS PROCESSUAIS – APARENTE SAÚDE FINANCEIRA E JURÍDICA DAS EMPRESAS ENVOLVIDAS.
3 – RELATÓRIO
Para a elaboração do presente parecer foram utilizados os seguintes documentos: A – Análise da plataforma de investimento (disponível em seu site); B – Termos de uso ao se abrir uma conta na plataforma; C – Cédulas de Crédito Bancário (CCB’s); D – Mensagem via e-mail com proposta feita pela empresa; E – Planilhas demonstrativas de investimentos, pagamentos e demais informações sobre os contratos. F – Documentos de constituição, formalização e situação de registro, funcionamento, legalidade, bem como pesquisas de ações judiciais em nome dos envolvidos. Também foram utilizadas pesquisas na jurisprudência em todas as esferas e doutrina especializada.
Inicialmente foi feita a análise dos instrumentos de contratação da plataforma disponibilizada pela empresa, em seu site, principalmente no momento de abertura da conta. Após a inserção dos dados, é disponibilizado o documento “Termos e Condições Gerais de Uso”. Da análise do documento percebe-se seu enquadramento como “contrato de adesão”, padrão para todos os utilizadores e com cláusulas gerais que regem a relação jurídica.
Alguns pontos relevantes do documento são os seguintes: A – PLATAFORMA [PLATAFORMA]: Referida nestes Termos simplesmente como “Plataforma” ou “[PLATAFORMA]”. Trata-se de uma plataforma digital brasileira […] que conecta pessoas que necessitem de empréstimos ou financiamentos com investidores. […] B – RECOMPRA: Algumas cotas de investimento terão a recompra por parte da [PLATAFORMA] ou PARCEIRO, desde que autorizado pelo investidor. A recompra se dará após 90 dias de atraso, pelo valor principal do saldo devedor. As cotas passíveis de recompra estarão sinalizadas em nossa plataforma, de forma com que fique claro ao investidor que a cota possui a opção de recompra. O Investidor será comunicado da recompra e o valor será depositado em sua carteira virtual na [PLATAFORMA] para que o mesmo possa efetuar novos investimentos ou saque. O investidor pode optar por não vender sua cota, mas não receberá nenhuma garantia de recebimento futuro dessa cota.
Não existem outras menções ao termo “recompra” nas cláusulas gerais do referido documento. Existem cláusulas de isenção de responsabilidade por parte da empresa, como, por exemplo: 1.4. EM CONSEQUÊNCIA, A RESTITUIÇÃO AO INVESTIDOR DO VALOR DESEMBOLSADO NA OPERAÇÃO PELO INVESTIDOR, ACRESCIDO DO PAGAMENTO DE JUROS REMUNERATÓRIOS, DEPENDE FUNDAMENTALMENTE DO INTEGRAL ADIMPLEMENTO DO EMPRÉSTIMO POR PARTE DA TOMADOR. […] 3.15. A [PLATAFORMA] não garante o retorno dos investimentos, nem reembolsa, em eventual inadimplência, os valores não pagos. O INVESTIDOR declara estar ciente e aceitar este fato. 3.16. Os investimentos realizados por meio da Plataforma estão sujeitos aos riscos próprios de tais operações financeiras, incluindo risco de perda total ou parcial dos montantes investidos. […]
Portanto, da análise da oferta proposta pela empresa entende-se que alguns investimentos serão passíveis de recompra do principal pela empresa ou seu parceiro, o que se caracteriza como oferta ou promessa e vincula a empresa ao cumprimento do quanto ofertado.
A análise do documento intitulado “[Nome da Planilha].xlsx” percebe-se 16 contratos com a indicação de garantia de recompra. Destarte, entende-se que os referidos investimentos estão sob a égide da garantia ofertada pela empresa e passíveis de judicialização visando o cumprimento do ofertado.
Passa-se a análise das CCB’s enviadas pelo contratante. Foram analisadas diversas CCB’s, as quais detêm as mesmas características a seguir elencadas: A – Credor: [INSTITUIÇÃO FINANCEIRA PARCEIRA] SOCIEDADE DE CRÉDITO AO MICROEMPREENDEDOR. B – Emitente: [TOMADOR DE CRÉDITO PESSOA FÍSICA] C – Endossante: [INSTITUIÇÃO FINANCEIRA PARCEIRA] D – Endossatário: O Contratante E – Emitente: O mesmo devedor da CCB F – Cláusula de exclusão de responsabilidade do endossante. Diante da análise das CCB’s, que representam os títulos de crédito, percebe-se que houve a cessão civil da titularidade da cédula, ou seja, isenção do endossante da coobrigação quanto ao pagamento da dívida. Destarte, afasta-se, inicialmente, a responsabilidade da endossante.
Da análise dos documentos legais de constituição e formalização das empresas envolvidas pode-se extrair que existe, a priori, verdadeiro grupo econômico. O quadro societário da empresa apresenta os seguintes sócios: [SÓCIO A], [SÓCIO B], [SÓCIO C] e a [HOLDING DO GRUPO] S.A. Foram analisadas as fichas cadastrais da [HOLDING DO GRUPO] S.A., cujo quadro societário é composto por [SÓCIO D], [SÓCIO A] e [SÓCIO C]. Portanto, tanto na empresa quanto na [HOLDING DO GRUPO], temos a presença dos mesmos sócios.
Doutra feita, da análise da [INSTITUIÇÃO FINANCEIRA PARCEIRA], extrai-se que não existem ligações claras entre o quadro societário. Contudo, verificando as assinaturas constantes nas CCB’s, foi percebido que os IPs da empresa e da [INSTITUIÇÃO FINANCEIRA PARCEIRA] (endossante) são os mesmos em todos os documentos analisados. Tal coincidência […] denota, inicialmente, indício de prova de constituição de grupo econômico e confusão de identidade.
Em pesquisa ao site do TJSP foram observados os seguintes resultados: A – [PLATAFORMA DE INVESTIMENTOS P2P] LTDA., CNPJ nº [CNPJ da empresa]: Uma ação (processo nº [número do processo], Juizado Especial Cível). A1 – Sócios da empresa: Nenhuma ação distribuída de relevância para o presente parecer.
4 – FUNDAMENTAÇÃO
4.1 – ANÁLISE DA SITUAÇÃO DE REGISTRO FORMAL DA EMPRESA
Da análise da documentação arquivada na JUCESP, conforme as pesquisas já relatadas, entende-se como regular a situação formal da empresa e de seus sócios. Da emissão do CNPJ pelo site da Receita Federal foi possível verificar que a empresa se encontra ativa.
4.2 – DA ANÁLISE DOS PROCESSOS EM TRÂMITE
Não foram localizados processos relevantes para o presente estudo.
4.3 – DA ANÁLISE DE VIABILIDADE DA PROPOSITURA DAS AÇÕES E DA POSSIBILIDADE DE EXITO E DOS CUSTOS ENVOLVIDOS
Conforme exposto anteriormente, a relação direta é entre o contratante e a empresa, mediante a intermediação de negócios, com a oferta, pela empresa, da recompra dos investimentos feitos pelo contratante em caso de inadimplência, bem como da análise de crédito para a apresentação das oportunidades de investimento.
Não foram observadas informações, nos títulos de crédito (CCB) que remetam à garantia ofertada pela empresa, bem como os referidos títulos possuem cessão civil de crédito, não apenas endosso, o que, a priori, isenta a endossante da coobrigação no pagamento dos títulos.
Contudo, tendo em vista a relação de consumo entre as partes, o contratado entende como passível de aplicação as normas contidas no Código de Defesa do Consumidor, inclusive com a inversão do ônus da prova e da responsabilidade objetiva dos fornecedores participantes da linha de fornecimento (todas as empresas envolvidas), principalmente no que tange à responsabilidade quanto à obrigação de recompra ofertada pela empresa.
Nesta seara, entende o contratado que os pedidos na propositura da ação serão no sentido de: (i) obrigação de fazer; (ii) rescisão do contrato (iii) devolução de quantias pagas; (iv) indenização por danos morais; (v) indenização por danos materiais; (vi) lucros cessantes e (vii) pedido de antecipação de tutela.
Melhor explicado os pedidos serão feitos em face da empresa, com pedido de obrigação de fazer no sentido de cumprimento da oferta de recompra, rescisão do contrato com devolução de quantias pagas (investimentos em poder da empresa), indenização por danos morais (cuja principal tese será o desvio produtivo do consumidor) e materiais (cuja principal tese será a contratação de advogado), lucros cessantes em decorrência do retorno que o contratante poderia receber se os valores em poder da empresa estivessem investidos em outra aplicação e a antecipação de tutela com pedido de bloqueio de valores relativos ao principal e sob a obrigação de recompra ofertada pela empresa.
É de suma importância ressaltar que a caracterização da relação de consumo, onde serão aplicadas as normas consumeristas, é passível de contestação ou indeferimento, posto que pode ser observada a falta de hipossuficiência técnica do contratante, em decorrência de suas atividades como investidor e formação acadêmica.
Os valores relativos aos pedidos, inicialmente, são os seguintes: A – Obrigação de fazer: R$ [VALOR] B – Devolução das quantias pagas: R$ [VALOR] C – Indenização por danos morais: R$ [VALOR] D – Danos materiais: R$ [VALOR] E – Lucros cessantes: com previsão inicial de 1% ao mês por 6 meses, do principal passível de recompra: R$ [VALOR]
Segundo as informações passadas pelo contratante, o valor atual dos investimentos soma a quantia de R$ [VALOR TOTAL], dos quais R$ [VALOR COM RECOMPRA] são passíveis de recompra e R$ [VALOR SEM RECOMPRA] ainda não atingiram os requisitos, enquanto aqueles valores relativos ao retorno financeiro esperado do investimento soma a quantia de R$ [VALOR DO RETORNO ESPERADO].
Neste cenário, levando em consideração apenas o principal, temos as seguintes custas judiciais iniciais, com o valor da causa estimado em R$ [VALOR DA CAUSA]: A – Taxa judiciária (1% sobre o valor da causa): R$ [VALOR DA TAXA] B – Custas de citação: R$ [VALOR DA CITAÇÃO]
Durante o andamento processual pode ser necessária a contratação de peritos contábeis, cujos honorários giram, em média, na faixa dos R$ [VALOR DO PERITO].
Os riscos da demanda envolvem, inicialmente o seguinte: A – Custas judiciárias (1% sobre o valor da causa ou da condenação, em caso de reconvenção): R$ [VALOR] (estimativa) B – honorários advocatícios de sucumbência, em caso de derrota: R$ [VALOR]
Existem, ainda, os custos relativos a eventuais recursos: A – Agravo de instrumento (taxa fixa): R$ [VALOR] B – Apelação (4% sobre o valor da causa ou da condenação): R$ [VALOR].
Com relação a probabilidade de êxito, percebe-se que existe grande chance de serem deferidos os pedidos relativos à devolução das quantias investidas e da obrigação de recompra assumida pela empresa. Os demais pedidos, são, em ordem decrescente de êxito: Lucros cessantes, danos morais, danos materiais.
Existe, ainda, a possibilidade de pedidos relacionados à obrigação de fazer quanto à devolução dos valores previstos em contrato, sob a argumentação de desídia na avaliação de crédito proposta pela empresa, contudo, tais pedidos ensejam o aumento significativo dos riscos e dos custos envolvidos.
5 – DISPOSIÇÕES GERAIS
Deve ser ressaltado que o presente parecer foi elaborado com base nas informações e documentos analisados. Não existe garantia de êxito, mas sim de atuação forte, técnica e precisa do profissional. O contratado se reserva ao direito de eventuais erros, omissões ou ressalvas nas informações ora prestadas.
Esse é o parecer.
São Paulo, 2023.
DULCIDIO FABRO NETO OAB/SP 423003