REVISÃO E ADEQUAÇÃO CONTRATUAL: CASO REAL

Interessado: [EMPRESA DE ASSESSORIA]
Assunto: Blindagem consumerista, adequação à LGPD e nova arquitetura contratual (“mestre/satélite”)


1. SÍNTESE E OBJETIVO

A EMPRESA é especializada em serviços de assessoria técnica e administrativa, atuando em diversas frentes que envolvem trâmites burocráticos nacionais e internacionais, pesquisas documentais e representação perante órgãos públicos.

A auditoria contratual identificou que a empresa utilizava múltiplos modelos distintos para cada serviço oferecido. Essa multiplicidade gerava assimetrias jurídicas (regras conflitantes para o mesmo cliente), lacunas de proteção e cláusulas financeiras potencialmente abusivas (multas fixas elevadas e juros acima do teto legal), expondo a operação a riscos de litígio e sanções administrativas.

O objetivo deste parecer é apresentar a nova arquitetura contratual (“Contrato-Quadro + Anexos”), desenhada para ser mais segura, transparente e aderente ao Código de Defesa do Consumidor (CDC), bem como às exigências da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

Trata-se de parecer elaborado no contexto de uma consultoria de revisão completa da arquitetura contratual da EMPRESA, com foco em blindagem consumerista, redução de passivos e ganho de previsibilidade operacional.


2. EMENTA TÉCNICA

CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS – ASSESSORIA TÉCNICA – RELAÇÃO DE CONSUMO – ADEQUAÇÃO AO CDC E À LGPD; CONTRATO-QUADRO COM ANEXOS ESPECÍFICOS – SEGREGAÇÃO DE ESCOPO POR NATUREZA DO SERVIÇO; MULTA COMPENSATÓRIA ESCALONADA – LIMITAÇÃO AO VALOR DO CONTRATO – AFASTAMENTO DE BIS IN IDEM – PARÂMETROS EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DO STJ (TEMA 970); OBRIGAÇÃO DE MEIO – FATORES EXTERNOS (ÓRGÃOS PÚBLICOS, SISTEMAS DE TERCEIROS) – IMPOSSIBILIDADE SUPERVENIENTE; CLÁUSULA DE SOLIDARIEDADE ENTRE CONTRATANTES; PROTEÇÃO DE DADOS – TRANSFERÊNCIA INTERNACIONAL.


3. ANÁLISE JURÍDICA E SOLUÇÕES

3.1. O problema da multiplicidade e a solução “guarda-chuva”

Identificou-se que contratos antigos de serviços preliminares (como organização documental) prometiam, em suas entrelinhas, serviços de etapas futuras e incertas (como representação judicial), criando o risco de o consumidor exigir o cumprimento de uma obrigação muito mais onerosa do que a originalmente contratada.

Solução: implementação do Contrato Mestre (Contrato-Quadro).
Este instrumento concentra todas as regras perenes do negócio (foro, LGPD, regras de inadimplência, sigilo, disciplina de multas, regras de reclamação pública), enquanto Anexos Específicos (“satélites”) regulam apenas:

  • o escopo técnico do serviço;
  • o preço e a forma de pagamento;
  • as etapas e percentuais de multa proporcional;
  • os prazos internos (SLAs) de execução.

Isso permite “vendas modulares” sem a necessidade de renegociar todo o jurídico a cada novo serviço, reduzindo riscos de contradição entre contratos assinados pelo mesmo cliente.

3.2. Multas compensatórias e o Tema 970 do STJ

Os modelos anteriores previam retenções fixas de percentuais elevados (por exemplo, 80%) em caso de desistência, independentemente do momento da rescisão. Tal prática é rechaçada pela jurisprudência atual, sobretudo no contexto de relações de consumo e contratos de trato sucessivo.

Solução: a nova disciplina estabelece uma multa escalonada.
O valor da retenção passa a ser proporcional às etapas do serviço efetivamente concluídas, por exemplo:
Etapa 1 – Análise de viabilidade;
Etapa 2 – Execução técnica;
Etapa 3 – Entrega final.

Essa estrutura:

  • atende ao art. 413 do Código Civil (redução equitativa da penalidade);
  • evita enriquecimento sem causa;
  • afasta o bis in idem entre multa moratória e compensatória;
  • alinha-se à orientação do STJ (Tema 970) quanto à necessidade de proporcionalidade em cláusulas penais.

3.3. Obrigação de meio x fatores externos

Sendo a atividade da empresa dependente, em muitos casos, da aprovação ou trâmite em órgãos governamentais (nacionais ou estrangeiros), não é possível garantir o resultado final (deferimento, aprovação, concessão), mas sim a qualidade técnica e diligente do pedido.

Solução: reforço contratual das cláusulas de obrigação de meio, isentando a consultoria de responsabilidade por fatos de terceiro, tais como:

  • greves e paralisações;
  • mudanças legislativas repentinas;
  • instabilidade em sistemas governamentais de agendamento;
  • morosidade excessiva da administração pública.

O contrato passa a separar de forma clara:

  • o que está sob controle operacional da empresa (e gera SLAs internos);
  • do que é inerente ao risco da atividade regulada pelo Poder Público.

3.4. Proteção de dados (LGPD) e transferência internacional

A operação exige, em determinados serviços, o envio de documentos pessoais e dados sensíveis para parceiros ou entidades no exterior.

Solução: inclusão de cláusulas robustas:

  • autorizando a transferência internacional de dados estritamente para a execução do contrato;
  • delimitando as finalidades do tratamento;
  • prevendo hipóteses de compartilhamento com terceiros (parceiros, escritórios estrangeiros, tradutores, órgãos públicos);
  • estabelecendo canal para exercício dos direitos dos titulares.

Com isso, a operação se alinha aos requisitos da LGPD brasileira e às boas práticas internacionais de proteção de dados.

3.5. Prazos internos (SLAs)

Para mitigar a ansiedade do cliente e reclamações por demora – comuns no setor de serviços burocráticos –, foram criados SLAs (Acordos de Nível de Serviço internos).

A empresa passa a ter prazos contratuais definidos para as suas tarefas internas (por exemplo: “X dias para conferência de documentos”, “Y dias para envio de checklist”), separando de forma inequívoca:

  • a sua eficiência operacional interna;
  • da morosidade de órgãos públicos externos, sobre os quais não há controle.

Isso fortalece a boa-fé objetiva e melhora a gestão de expectativas.


4. SUGESTÕES E ESTRUTURA PROPOSTA

Como entrega final da consultoria, recomendou-se a adoção da seguinte estrutura modular:

Contrato-Quadro:
Instrumento único, assinado uma só vez pelo cliente, contendo as “regras do jogo”:

  • pagamentos, inadimplência e rescisão;
  • disciplina de multas (moratória e compensatória) com proporcionalidade;
  • obrigação de meio e fatores externos;
  • LGPD e sigilo;
  • regras sobre reclamações públicas e resolução amigável.

Anexos de Escopo (Statements of Work), exemplificativamente:

  • Anexo A – Serviços Administrativos:
    Foco na preparação e análise técnica de documentos, separando honorários próprios de despesas/custos de terceiros (passagens, hospedagem, taxas, etc.).
  • Anexo B – Serviços Judiciais/Contenciosos:
    Delimitação clara entre:
    • organização probatória e assessoria documental; e
    • representação processual propriamente dita, inclusive quando exercida por escritórios parceiros.
  • Anexo C – Serviços de Pesquisa/Levantamento:
    Definição clara de que o objeto é a busca especializada, remunerada pelo esforço e expertise, e não a garantia de localização de determinado registro.
  • Anexo D – Suporte em Agendamentos e Serviços Consulares:
    Isenção de responsabilidade sobre disponibilidade de vagas em sistemas governamentais, com ênfase na obrigação de meio (esforço, monitoramento, orientação).

A arquitetura “mestre/satélite” pode ser adaptada conforme o fluxo interno de cada empresa:
tanto para uso como Contrato-Quadro + Anexos, quanto como base para modelos individuais por tipo de serviço, desde que se preservem as lógicas jurídicas de escopo, proporcionalidade e transparência.


5. CONCLUSÃO

A nova estrutura alinha a operação da EMPRESA às melhores práticas do Direito Empresarial e do Consumidor, transformando o contrato em uma ferramenta de gestão de expectativas e de segurança jurídica, e não apenas em um instrumento de cobrança.

A padronização:

  • traz transparência para o cliente;
  • reduz o “Custo Brasil” associado a litígios evitáveis;
  • facilita o treinamento de equipes e a expansão do negócio;
  • fortalece a imagem de profissionalismo e seriedade perante o mercado.

Modelos como este podem (e devem) ser adaptados às peculiaridades de cada negócio, sempre a partir de uma análise combinada de fluxo operacional, riscos jurídicos e estratégias comerciais.

DULCIDIO FABRO NETO
OAB/SP nº 423.003


Bônus: trecho do manual explicativo (treinamento comercial)

Como parte da entrega, foi desenvolvido um material de apoio para a equipe comercial compreender como usar o jurídico a favor das vendas:

O que explicar para o cliente sobre a nova estrutura?

“Sr. Cliente, este é o nosso Contrato Padrão. Ele garante a segurança dos seus dados, define como funcionam os pagamentos e protege ambas as partes. Ele é assinado uma única vez. As especificidades do serviço que você precisa hoje (seja administrativo ou judicial) entram apenas no Anexo, o que simplifica qualquer contratação futura.”

Sobre as multas:

“Nossa multa não é fixa nem abusiva. Ela é proporcional ao trabalho realizado. Se você precisar desistir do projeto logo no início, você paga apenas pelo que trabalhamos até ali. É um modelo mais justo, que protege o seu investimento e remunera o nosso tempo de forma correta.”

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