Ser preso ou ter um familiar preso é um momento de enorme estresse e confusão. Em meio a tantas dúvidas, um dos procedimentos mais importantes e que ocorre mais rápido é a Audiência de Custódia.
Muitas pessoas acreditam que essa audiência é o julgamento final, onde se decidirá se a pessoa é “culpada” ou “inocente”. Isso não é verdade.
Este guia, baseado nas informações oficiais do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e de outras entidades, foi criado para explicar, de forma simples e direta, o que realmente acontece nesse momento crucial e quais são os direitos da pessoa detida.
Neste guia, você vai aprender:
- Qual o verdadeiro objetivo da Audiência de Custódia.
- O que acontece desde a delegacia até o fórum.
- Quais são os direitos da pessoa presa durante a audiência.
- Quais são os possíveis resultados (liberdade ou manutenção da prisão).
- A importância de relatar qualquer tipo de violência policial.
- Onde buscar ajuda e apoio social após a audiência.
1. O que é a Audiência de Custódia?
A Audiência de Custódia é o primeiro encontro da pessoa que foi presa em flagrante com um juiz. Ela deve acontecer o mais rápido possível, em até 24 horas após a prisão.
O objetivo principal não é julgar o crime, mas sim verificar quatro pontos essenciais:
- A legalidade da prisão: O juiz vai analisar se a prisão foi feita dentro da lei.
- A necessidade da prisão: O juiz decidirá se a pessoa pode responder ao processo em liberdade (com ou sem condições) ou se ela deve permanecer presa enquanto o processo corre.
- A integridade física: O juiz deve verificar se a pessoa sofreu qualquer tipo de violência ou maus-tratos desde o momento da abordagem policial até a audiência.
- A situação pessoal: O juiz ouvirá sobre as condições pessoais do preso (filhos, trabalho, saúde) para tomar uma decisão mais justa.
Ponto-chave: A audiência de custódia não decide se a pessoa é culpada ou inocente. Essa decisão só virá muito depois, ao final do processo criminal.
2. O Caminho da Prisão até a Audiência
Na Delegacia:
Após a prisão, a pessoa é levada à delegacia. Lá, ela já tem direitos que devem ser respeitados:
- Direito ao Silêncio: A pessoa presa tem o direito de permanecer calada e não responder perguntas. Isso não pode prejudicá-la.
- Direito a um Advogado: Ela tem direito a um advogado particular ou a um defensor público (gratuito) para sua defesa.
- Direito a um Telefonema: A pessoa presa pode telefonar para um familiar ou outra pessoa de sua escolha para avisar sobre a prisão.
- Nota de Culpa: Ela deve receber um documento chamado “nota de culpa”, que explica o motivo da prisão e quem a efetuou. Assinar este documento não significa assumir a culpa, apenas que recebeu as informações.
Antes da Audiência (no Fórum):
Antes de falar com o juiz, outras duas etapas importantes acontecem:
- Exame de Corpo de Delito: A pessoa presa deve passar por um exame médico. O objetivo é verificar seu estado de saúde e identificar qualquer sinal de violência ou agressão, mesmo que não haja marcas visíveis. Esse exame deve ser feito sem a presença de policiais.
- Entrevista com o Advogado: A pessoa presa tem o direito de conversar reservadamente com seu defensor ou advogado, sem a presença de policiais ou outras pessoas.
O Atendimento Social (APEC):
Em muitos fóruns, existe o Serviço de Atendimento à Pessoa Custodiada (APEC). É uma equipe de assistentes sociais e psicólogos que conversa com a pessoa presa antes da audiência.
- Esse atendimento é voluntário.
- O objetivo é entender a situação de vida da pessoa: se tem filhos pequenos, se cuida de alguém com deficiência, se está grávida ou amamentando, se tem residência fixa, se faz uso de remédios ou se tem alguma doença grave.
- Essas informações ajudam o juiz a entender quem é aquela pessoa e a tomar uma decisão mais humana sobre a necessidade de mantê-la presa.
Dica para Familiares: Se possível, leve ao fórum e entregue ao advogado/defensor documentos como: RG, comprovante de residência, carteira de trabalho, certidão de nascimento de filhos ou receitas médicas.
3. Durante a Audiência: O que Acontece?
Na sala de audiência, estarão presentes o juiz, o promotor (acusação), o advogado ou defensor (defesa) e a pessoa presa.
- A pessoa presa tem o direito de ficar em silêncio e isso não pode prejudicá-la.
- A presença do advogado/defensor é obrigatória.
- O juiz deve perguntar sobre como, quando e onde a prisão aconteceu.
- O juiz deve perguntar se a pessoa tem filhos ou dependentes, se tem doença grave, e se for mulher, se está grávida ou amamentando.
- O momento mais importante: O juiz perguntará se a pessoa sofreu agressões ou qualquer tipo de violência (física ou psicológica) desde a abordagem policial.
4. O Resultado: Prisão ou Liberdade?
Após ouvir todos, o juiz tomará uma das seguintes decisões:
- Relaxamento da Prisão (Soltura Imediata): Se o juiz entender que a prisão foi ilegal (feita fora das regras da lei), a pessoa deve ser solta imediatamente.
- Concessão de Liberdade Provisória: Se a prisão foi legal, mas o juiz entender que a pessoa pode responder ao processo em liberdade, ele concede a liberdade provisória.
- Conversão em Prisão Preventiva: Se o juiz entender que a pessoa deve permanecer presa para garantir a ordem pública, a investigação ou a aplicação da lei, ele decreta a prisão preventiva.
O que são “Medidas Cautelares”?
Muitas vezes, a liberdade provisória é concedida, mas com algumas condições, chamadas de “medidas cautelares”. Elas são alternativas à prisão. As mais comuns são:
- Comparecer ao fórum periodicamente (geralmente todo mês) para assinar um documento.
- Proibição de frequentar certos lugares ou de se aproximar da vítima ou testemunhas.
- Recolhimento domiciliar (permanecer em casa) durante a noite e nos dias de folga.
- Pagamento de fiança.
- Monitoração Eletrônica (Tornozeleira): O juiz pode determinar o uso da tornozeleira eletrônica, que rastreia a localização da pessoa 24 horas por dia. É obrigatório manter o equipamento sempre carregado.
5. O Dever de Denunciar Violência e Maus-Tratos
A Audiência de Custódia é o principal momento para denunciar qualquer tipo de abuso ocorrido durante a prisão.
O que é considerado violência? Não é apenas agressão física. A lei considera tortura ou maus-tratos qualquer ato que cause dor ou sofrimento físico ou mental, praticado por um agente do estado (policial, etc.) com a intenção de obter informação, confissão, castigar ou intimidar.
Exemplos incluem:
- Socos, tapas, pontapés e estrangulamentos (“mata-leão”).
- Humilhações, xingamentos e ameaças.
- Abuso sexual, nudez forçada ou toques inapropriados.
- Asfixia (com saco plástico ou afogamento).
- Choques elétricos.
O que fazer?
FALE COM O JUIZ. É fundamental que a pessoa presa relate tudo o que sofreu, desde a abordagem até a chegada na audiência. Mesmo que o exame de corpo de delito não mostre marcas, o relato é importantíssimo.
Se houver relato ou indícios de violência, o juiz deve determinar:
- O registro de todas as informações na audiência.
- O encaminhamento do caso para investigação no Ministério Público e na Corregedoria da Polícia.
- Medidas para proteger a pessoa que sofreu a violência.
6. Apoio Social Após a Audiência
Caso a pessoa seja solta, ela não fica desamparada. A equipe de atendimento social (APEC) ou a Central de Alternativas Penais podem auxiliar com:
- Saúde: Encaminhamento para postos de saúde (UBS), UPAs ou Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), especialmente para quem precisa de ajuda com saúde mental ou uso de álcool e drogas.
- Assistência Social: Orientação para buscar o CRAS (Centro de Referência de Assistência Social) para ter acesso a benefícios como Bolsa Família ou BPC, e para se inscrever no Cadastro Único.
- Trabalho e Moradia: Encaminhamento para agências de emprego e orientação sobre programas de moradia, como o Aluguel Social (onde houver).
A Audiência de Custódia é, acima de tudo, uma ferramenta de defesa dos direitos humanos e da dignidade. É a garantia de que, mesmo em um momento de acusação, a pessoa será vista e ouvida por um juiz.
Artigo por Dulcidio Fabro Neto, OAB/SP nº 423.003.
Este artigo é um resumo didático e informativo baseado na cartilha “Audiência de Custódia: Informações importantes para a pessoa presa e familiares“, uma publicação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).
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